quinta-feira, 1 de março de 2018

RESENHA DO LIVRO “MULHERES DE CINZAS”, DE MIA COUTO


RESENHA DO LIVRO “MULHERES DE CINZAS”, DE MIA COUTO

 Antônio Emílio Leite Couto, mais conhecido como Mia Couto, nasceu em  5 de julho de 1955, na Beira, Moçambique. É biólogo, jornalista e escritor. É exatamente por conta de sua formação em biologia que em suas obras podemos observar com nitidez a ambientação da narrativa. Mia Couto nos dá detalhes precisos sobre a ambientação africana, que por sua vez, é tão rica.  Sua linguagem exposta na obra é de forma poética, repleta de metáforas e com fatos vistos à luz do fantástico, como a vivência do avô de Inami embaixo das minas sempre escavando e os povos ouvindo os barulhos, ou até mesmo ouvindo gritos de dentro das armas, que eram enterradas. Neologismos aparecem também, como “arvoreceu”,  (COUTO, 2015, p.279).
Também traz um pouco da magia do povo africano, assim como suas crenças e modos de enxergar o outro, podendo trocar experiências e culturas.  Autor de mais de trinta obras tanto de poesia como prosa. Recebeu diversos prêmios literários, dentre eles o Camões em 2013 e o Neustadt Internacional Prize em 2014. É  membro da Acadêmia de  Brasileira de Letras. (ORELHA DO LIVRO, 2015)
O Livro “Mulheres de Cinza”, lançado no final do ano de 2015 é o primeiro livro  considerado, segundo o autor,  uma  trilogia, pois trata-se do primeiro volume do conjunto: As areias do imperador.  Um romance, que ocorre por volta de 1895,  já nos finais do século XIX. Livro com 342 páginas compostas por  um olhar ímpar sobre a cultura moçambicana, com exatamente por 29 capítulos sob a voz de Iname e Germano. Nos capítulos de Imane nos deparamos a cada leitura de capítulo uma epígrafe, sendo poéticas, nos dando abertura e questionamentos sobre a abordagem literária.
 Pela ótica de Georg Lukács, (1965) temos :
O  romance, a intenção, a ética, é visível na configuração de cada detalhe e constitui portanto, em seu conteúdo mais concreto, um elemento estrutural eficaz da própria composição literária. Assim o romance, em contraposição à existência em repouso na forma consumada dos demais gêneros aparece como algo em devir, como um processo.
Gênero romance que é uma narrativa longa, segundo Candida Vilares, (2001) e que envolve um número considerável de personagens, o número de conflitos, tempo e espaço dilatado e aqui classificado como romance histórico por abordar um enredo apaixonante vivido por Iname e um sargento português em um dado momento histórico escolhido pelo autor, que é a colonização de Moçambique por Portugal.
Assim como  Época em que o sul de Moçambique era governado por Ngungunyane, um líder/imperador do Estado de Gaza, mas conhecido como Gungunhane. Seu apelido era “Leão de Gaza”.  Em 1895  foi  derrotado pela coroa potuguesa e faleceu em 1906.   Nessa época a coroa portuguesa domina esse lugar e apesar de ser uma área delimitada, temos vários povos  e, que se comunicam de maneiras diferentes, no entanto possuem dialétos distintos.
Na obra temos especificados dois povos: os VaNguni, que tinha como chefe o imperador Ngungunyane e a coroa portuguesa, que era governada por um monarca, Dom Carlos I. Em meio a esse ambiente de guerra há os VaChopi; um pequeno povoado que habita a coroa portuguesa e que estão enfrentando os VaNguni.
Couto nos coloca defronte a uma jovem africana, que ganhara vários nomes na narração, como Cinza e Viva, mas que por fim a batizara de Imani por sua mãe, que quer dizer: “Quem é?” em sua língua. Verificamos na obra que há uma relação muito forte entre os nomes e a identidade dos povos, sendo assim vemos que Inami sente-se incompleta, em busca de sua identidade.  Ela é catequizada por jesuítas, por isso  aprende a língua portuguesa com os colonizadores, tanto que  no momento em que o  sargento Germano chega ao vilarejo ela passa a ser tradutora dele para conversar com as demais pessoas de sua tribo e também portugueses.
Na narração é aparentemente uma jovem com quinze anos de idade. Tal personagem vista como protagonista na obra de Mia Couto recebe o nome como “ato de poder”, assim como todos os demais personagens. Na cultura de Inami a designação de um nome a um objeto é colocada na obra de acordo com a cultura africana, sendo soprado pelos seus ancestrais. Mia caracteriza suas personagens femininas de forma magnífica. Evidencia a importância a representação das mulheres na obra, não somente a Imani, mas também sua avó, as irmãs, a tia e a mãe, principalmente por se tratar de um ambiente conflituoso, de guerra, de dominação, onde as mulheres são sujeitos vistos à margem e por isso silenciadas. Porém na obra de Mia ele ressalta a figuração da mulher de maneira positiva, assim como (Lepeck, 2003) que narra a  história de uma também jovem chamada Micaela, que se apaixona por um espião paraguaio e dá voz ativa a ela em um ambiente também de conflito e dominação, aqui se tratando a guerra do Paraguai.
 Essa moça, apresentada pelo narrador tinha uma enorme vontade de ser mãe.“Todas as meninas da minha idade, em Nkokolani, já haviam engravidado. Apenas eu parecia condenada a um destino seco. Afinal, não era apenas uma mulher sem nome. Era um nome sem pessoa. Um desembrulho. Vazio como o meu ventre" ( COUTO, 2015, p. 19). Essas mulheres retratam nesse conflito figuras que traçam o sofrimento, pois perdem filhos, são violadas pelo exército português, e por conta disso desejam a morte, aqui posta à luz de libertação e semeadora, vista pelo lado positivo. Apresentada de  forma poética, que para os negros os mortos semeiam a terra e é da terra que se produz o sustento.
Imani tinha dois irmãos; o mais velho, Dubula,  que em zulu significa “disparo de arma”, visto na obra como inteligente, e o mais novo, Nwanatu, considerado “lerdo e incapaz”, que desde pequeno um grande apreço pelo povo português.  Quando adulto torna-se sentinela do sargento Germano, motivo pelo qual deixa seu pai, Katini, muito envergonhado.
Na obra os capítulos são apresentados através do discurso de  Imani, em forma de narração, sendo muito agradáveis e mostrando como é a rica cultura de seu povo, e os outros narrados pelo sargento Germano; um soldado português que foi enviado ao vilarejo de Nkokolani. Seus capítulos são organizados por cartas, que tinha a intenção de enviar ao seu superior  José d’Almeida, mostrando de forma maldita a cultura africana.  Quando chegara ao vilarejo mostrou-se muito adorável fazendo com que o povo da tribo VaChopi o aceitasse de maneira cordial.
 Ao terminar a leitura da obra  de Mia Couto ficamos com vontade de ler o segundo volume da trilogia, que por sua vez, já foi publicado.   O autor aborda em seu romance histórico a cultura do povo africano, bem como o comportamento do colonizador e do colonizado.  Ademais nos faz entrar em um mundo com personagens ficcionais e reais, com ambientação histórica ocorrida em 1985, fazendo com que o leitor se questione relações de fronteira entre os elementos apresentados. Fronteiras estas que permeiam o tempo todo na obra entre real/ficcional, vida/morte. É um autor que explora o seu fazer  poético. A cada leitura uma palavras inventada carregada de simbolismo. Suas obras são bem construídas e que nos faz refletir sobre uma realidade distante de nós.   Também nos dá a possibilidade de compreender como  foi o processo de colonização de Moçambique por Portugal no processo do imperialismo europeu no continente africano. Obra linda, com linguagem poética, metafórica, porém acessível ao público que se interessa em romance histórico.
REFERÊNCIA
COUTO, Mia. Mulheres de Cinza: as areias do imperador: uma trilogia mocambicana, livro 1 - 1ª ed. - São Paulo: Companhia das letras, 2015.
LEPECKI, M.F.B. Cunhataí: um romance da guerra do paraguai. São Paulo: Talento, 2003.
GANCHO, Cândida Vilares. Como analisar narrativas. São Paulo: Ática, 2006.




OLIVEIRA, Adriely Barbosa, 2018.

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