RESENHA
DO LIVRO “MULHERES DE CINZAS”, DE MIA COUTO
Antônio Emílio Leite Couto, mais conhecido
como Mia Couto, nasceu em 5 de julho de
1955, na Beira, Moçambique. É biólogo, jornalista e escritor. É exatamente por
conta de sua formação em biologia que em suas obras podemos observar com
nitidez a ambientação da narrativa. Mia Couto nos dá detalhes precisos sobre a
ambientação africana, que por sua vez, é tão rica. Sua linguagem exposta na obra é de forma
poética, repleta de metáforas e com fatos vistos à luz do fantástico, como a
vivência do avô de Inami embaixo das minas sempre escavando e os povos ouvindo
os barulhos, ou até mesmo ouvindo gritos de dentro das armas, que eram
enterradas. Neologismos aparecem também, como “arvoreceu”, (COUTO, 2015, p.279).
Também
traz um pouco da magia do povo africano, assim como suas crenças e modos de
enxergar o outro, podendo trocar experiências e culturas. Autor de mais de trinta obras tanto de poesia
como prosa. Recebeu diversos prêmios literários, dentre eles o Camões em 2013 e
o Neustadt Internacional Prize em 2014. É
membro da Acadêmia de Brasileira
de Letras. (ORELHA DO LIVRO, 2015)
O
Livro “Mulheres de Cinza”, lançado no final do ano de 2015 é o primeiro livro considerado, segundo o autor, uma
trilogia, pois trata-se do primeiro volume do conjunto: As areias do imperador. Um romance, que ocorre por volta de 1895, já nos finais do século XIX. Livro com 342
páginas compostas por um olhar ímpar
sobre a cultura moçambicana, com exatamente por 29 capítulos sob a voz de Iname
e Germano. Nos capítulos de Imane nos deparamos a cada leitura de capítulo uma
epígrafe, sendo poéticas, nos dando abertura e questionamentos sobre a
abordagem literária.
Pela ótica de Georg Lukács, (1965) temos :
O romance, a intenção, a ética, é visível na
configuração de cada detalhe e constitui portanto, em seu conteúdo mais
concreto, um elemento estrutural eficaz da própria composição literária. Assim
o romance, em contraposição à existência em repouso na forma consumada dos
demais gêneros aparece como algo em devir, como um processo.
Gênero
romance que é uma narrativa longa, segundo Candida Vilares, (2001) e que
envolve um número considerável de personagens, o número de conflitos, tempo e
espaço dilatado e aqui classificado como romance histórico por abordar um
enredo apaixonante vivido por Iname e um sargento português em um dado momento histórico
escolhido pelo autor, que é a colonização de Moçambique por Portugal.
Assim
como Época em que o sul de Moçambique
era governado por Ngungunyane, um líder/imperador do Estado de Gaza, mas
conhecido como Gungunhane. Seu apelido era “Leão de Gaza”. Em 1895
foi derrotado pela coroa
potuguesa e faleceu em 1906. Nessa
época a coroa portuguesa domina esse lugar e apesar de ser uma área delimitada,
temos vários povos e, que se comunicam
de maneiras diferentes, no entanto possuem dialétos distintos.
Na
obra temos especificados dois povos: os VaNguni, que tinha como chefe o imperador
Ngungunyane e a coroa portuguesa, que era governada por um monarca, Dom Carlos
I. Em meio a esse ambiente de guerra há os VaChopi; um pequeno povoado que
habita a coroa portuguesa e que estão enfrentando os VaNguni.
Couto nos coloca defronte a uma jovem africana, que ganhara vários nomes na narração,
como Cinza e Viva, mas que por fim a batizara de Imani por sua mãe, que quer
dizer: “Quem é?” em sua língua. Verificamos na obra que há uma relação muito
forte entre os nomes e a identidade dos povos, sendo assim vemos que Inami
sente-se incompleta, em busca de sua identidade. Ela é catequizada por jesuítas, por isso aprende a língua portuguesa com os
colonizadores, tanto que no momento em
que o sargento Germano chega ao vilarejo
ela passa a ser tradutora dele para conversar com as demais pessoas de sua
tribo e também portugueses.
Na
narração é aparentemente uma jovem com quinze anos de idade. Tal personagem
vista como protagonista na obra de Mia Couto recebe o nome como “ato de poder”,
assim como todos os demais personagens. Na cultura de Inami a designação de um
nome a um objeto é colocada na obra de acordo com a cultura africana, sendo
soprado pelos seus ancestrais. Mia caracteriza suas personagens femininas de
forma magnífica. Evidencia a importância a representação das mulheres na obra,
não somente a Imani, mas também sua avó, as irmãs, a tia e a mãe,
principalmente por se tratar de um ambiente conflituoso, de guerra, de
dominação, onde as mulheres são sujeitos vistos à margem e por isso silenciadas.
Porém na obra de Mia ele ressalta a figuração da mulher de maneira positiva,
assim como (Lepeck, 2003) que narra a
história de uma também jovem chamada Micaela, que se apaixona por um
espião paraguaio e dá voz ativa a ela em um ambiente também de conflito e
dominação, aqui se tratando a guerra do Paraguai.
Essa moça, apresentada pelo narrador tinha uma
enorme vontade de ser mãe.“Todas as
meninas da minha idade, em Nkokolani, já haviam engravidado. Apenas eu parecia
condenada a um destino seco. Afinal, não era apenas uma mulher sem nome. Era um
nome sem pessoa. Um desembrulho. Vazio como o meu ventre" ( COUTO, 2015, p. 19). Essas
mulheres retratam nesse conflito figuras que traçam o sofrimento, pois perdem
filhos, são violadas pelo exército português, e por conta disso desejam a
morte, aqui posta à luz de libertação e semeadora, vista pelo lado positivo.
Apresentada de forma poética, que para
os negros os mortos semeiam a terra e é da terra que se produz o sustento.
Imani
tinha dois irmãos; o mais velho, Dubula,
que em zulu significa “disparo de arma”, visto na obra como inteligente, e
o mais novo, Nwanatu, considerado
“lerdo e incapaz”, que desde pequeno um grande apreço pelo povo português. Quando adulto torna-se sentinela do sargento
Germano, motivo pelo qual deixa seu pai, Katini, muito envergonhado.
Na
obra os capítulos são apresentados através do discurso de Imani, em forma de narração, sendo muito
agradáveis e mostrando como é a rica cultura de seu povo, e os outros narrados
pelo sargento Germano; um soldado português que foi enviado ao vilarejo de
Nkokolani. Seus capítulos são organizados por cartas, que tinha a intenção de
enviar ao seu superior José d’Almeida,
mostrando de forma maldita a cultura africana. Quando chegara ao vilarejo mostrou-se muito
adorável fazendo com que o povo da tribo VaChopi o aceitasse de maneira
cordial.
Ao terminar a leitura da obra de Mia Couto ficamos com vontade de ler o
segundo volume da trilogia, que por sua vez, já foi publicado. O autor aborda em seu romance histórico a
cultura do povo africano, bem como o comportamento do colonizador e do
colonizado. Ademais nos faz entrar em um
mundo com personagens ficcionais e reais, com ambientação histórica ocorrida em
1985, fazendo com que o leitor se questione relações de fronteira entre os
elementos apresentados. Fronteiras estas que permeiam o tempo todo na obra
entre real/ficcional, vida/morte. É um autor que explora o seu fazer poético. A cada leitura uma palavras
inventada carregada de simbolismo. Suas obras são bem construídas e que nos faz
refletir sobre uma realidade distante de nós. Também
nos dá a possibilidade de compreender como
foi o processo de colonização de Moçambique por Portugal no processo do
imperialismo europeu no continente africano. Obra linda, com linguagem poética,
metafórica, porém acessível ao público que se interessa em romance histórico.
REFERÊNCIA
COUTO,
Mia. Mulheres de Cinza: as areias do imperador: uma trilogia mocambicana, livro
1 - 1ª ed. - São Paulo: Companhia das letras, 2015.
LEPECKI, M.F.B. Cunhataí: um romance da guerra
do paraguai. São Paulo: Talento, 2003.
GANCHO, Cândida Vilares. Como analisar narrativas. São Paulo: Ática, 2006.
OLIVEIRA, Adriely Barbosa, 2018.
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