A
ESPERANÇA É A ÚLTIMA QUE MORRE, MESMO QUE COBERTA DE TERRA
O sol amanhecera como de
sempre. Forte e imperador, mas o homem não dá atenção a ele, mesmo que sabendo
que dependia dele seu sustento, o homem, cabisbaixo, labuta na roça levantada
em meio às grutas de sua “chácara”.
Tempo de seca. O sol castiga. Na roça,
gritos e estalos das folhas caindo, lascas se soltando das árvores secas. Sua
criação, algumas vaquinhas, é quem lhe dá seu sustento do dia a dia, mas e
agora José? Cadê a chuva? Cadê a
alimentação dos bicho. Cadê água? O único açude da chácara, secando, e os
peixes, morrendo. O deus!!! Que vida triste em tempo de seca. O bicho sofre. A
casa sofre. O homem cansa. Pobre homem, morre um pouco a cada dia. Porque ele
mesmo dizia:
--- Em tempo seco, a vida
é sofrida. Há quem diga que viver é sofrer. Desde que não seja seco, quem sabe.
Mas como todo sertanejo, não vive sem a esperança, pois ela é o alimento de sua
alma, suas proteínas invisíveis.
A família, sofrida,
respira terra. Como matuta, sua mulher, Maria, sempre reclama da vida. Diz que
tempo de seca os bicho morre por causo de ser castigo de Deus. No entanto José
se atreve em dizer a Maria que ela é uma
desavessada. Que está de mau com Deus e por isso ele a castiga. Desconjurada,
essa muié. Diz José. Esperançoso o homem continua a labutar em sua roça seca, a
espera do choro de deus, que cairá dos céus.
No final do dia, em meio
a terra, o vento, José e Maria voltam para casa. Cansados. Sujos, desterrados.
E desesperados, pois por conta da ventania, suas vaquinhas se esconderam no
meio da grota. Pobre do bicho. Pobre nada, agora vou ter que ir com essas bichas
e dá de come pra elas. Maria. Mulher tinhosa. Deixe de reclama. Vou buscar as
vacas, pra modo de eu dar de comer as bicha. Amanhã é outro dia. José conseguiu
pegá-las, mas lascou seus braços no gravatá. Esqueceu-se de sua roupa de couro.
Homem de Deus, só pensara nos bicho. No seu sustento.
A escuridão reina agora.
A lua iluminava a casa de José, junto com umas lamparinas. O cheiro de óleo
queimado será forte demais, mas não tinha energia elétrica. O jeito era dormir
com os buracos do nariz grosso de fumaça. O cabelo então...
Mas o sertanejo aguenta o
sol do dia no couro, a fome durante o dia. Só farinha e feijão de corda. E a
noite, frio, luz da lua. Tendo uma tarimba boa para dormir, para que se
preocupar em luxo. Eram um jovem casal. Tinham filhos? Não! Maria tinha seu
ventre seco, assim com o dia em meio a ventania. Talvez seja por isso que
sempre reclamava com deus. Era amargurada, sempre desavessada. Sertanejo tem
sempre uma escadinha. Oxe. Deixe isso prá lá.
Os dias foram passando,
morre uma vaca de José. Seca de fome. Pobrezinha, só tinha chifre e rabo. As costelas
pareciam um mata burro. José sofre. E agora só lhe resta duas reis., e seu
sustento agora se tornaria mais difícil. Numa conversa com Maria, mãe de deus e
sua teimosa Maria, decide ir para outra cidade em busca de trabalho, comida e
vivencia. Foram embora. O dinheiro das vacas deu pra encher um saco de feijão
seco, farinha e umas carnes secas. Assim se alimentavam como dava.
Passaram-se os dias. A
luz do sol queima o rosto de José. De Maria não porque lhe cobria o rosto. A
bicha já era estranha, com uns panos na cabeça, e os poucos de dentes que lhe
sobravam, Maria. Graveto andando e coberta. Como se não bastasse. Carregava na
cabeça uma moringa com água pra beber no caminho. José carregava sua matula,
com comida e um trabuco velho, que ele sempre dizia que usava pra mode se
defender dos bicho. Mais dos urubus, que parecia sorrateiros a gente, esperando
a gente cair no chão pra mode comer a gente vivo. Desconjurado esses bicho.
Para o casal dormir na
noite fria do sertão foi necessário levanta uma tarimba no meio do mato, para
se protegerem de animais peçonhentos. Maria sofria. Queria uma casa, uma cama
boa. Queria um lugar bom pra se viver. Quando acordava, desiludia-se em lembrar
que estava a esmo. Os dias foram passando, a comida acabando só não a esperança
de José. Ao ir da tarde chegaram a Lagoa seca. Nome promissor para o sertão
hein?!
Em lagoa seca, buscavam
abrigo. Foram direto a igreja, agradecer a virgem Maria pela andança e
conversar com o padre para que ele se oferecesse abrigo ate encontrar trabalho
e casa. O padre, sem jeito, ofereceu-lhes, mas com a condição de Maria limpar a
igreja nos dias de missa. Que pelo visto eram todos os dias. A igreja era
pequena, pois neste vilarejo de lagoa seca, o povo era muito devoto. Queriam
agradecer pelos dias de vida, pois viver no sertão é só para aqueles que sobrevivem
ao sol, frio e a fome.
José, homem devoto,
contente e esperançoso, ama sua esposa Maria, mesmo a danada sendo tinhosa. Com
o passar dos tempos José arranjou emprego. Era cuidador de vacas de um senhor
que morava também no vilarejo. José se lembrava de seus bichos da chácara e
chorava. Mas sozinho, pois era sertanejo macho, e macho não chorava. Terra.
Queria terra. Não terra a cara, nem pra mode ser enterrado, mas terra para
viver. Terra para plantar. Vivo desterrado nesse mundão de meu deus. Sem filho,
só com Maria, minha tinhosa. Sou feliz com ela, mas coitada, tosse todo dia por
causa da terra. Já estou preocupado com ela. Tosse prá cá. Tosse prá lá.
Remédio? Como? De quem? Só das benzedeira daqui.
--- Muié. Você melhoro
das tosse.
Maria, cansada, responde
em seu leito. Na tarimba arranjada pelo marido, agora moravam em um barraco dos
dois, improvisado, sem vida, sem morte. Porque lá, nem a bicha quer visitar.
Maria. Muié, você tá muito quente. Responde muié. Maria adoeceu. Pegara doença
nos pulmões. Não, não fumava cigarro de palha, respirava muita terra. Bebia
agua suja. Fazia muito fogo. Muita lamparina.
Passaram-se dois dias.
José procura ajuda ao padre, como sempre e, também a seu patrão. Houve êxito, o
padre foi abençoas Maria, e o patrão dar remédio, mas na casa de José, Maria já
dormia eternamente, com o braço caído ao lado da cama. Sua mão fechada, cheia
de terra e, João se impressiona quando nota que Maria estava com a boca suja e
molhada. Talvez comera terra. Mas por que se a terra era para ela a desgraçada
de sua vida. Suicido ou não José viúvo agora, desta vez há que enterrar sua
desterrada esposa.
OLIVEIRA, Adriely B de. Colcha de retalhos - contos diversos, 2018.